quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Tristeza imóvel

Ha alguns meses minha mãe comentou comigo o desejo de vender o apartamento, e a vontade de me esperar chegar para ajuda-la na busca de um novo. Eu achei o maximo, nosso prédio é antigo, os quartos são caldeiras do inferno e ja estamos torrando entre essas paredes ha 12 anos. Apesar disso, o apartamento é grande, tem uma varanda-floresta e a localização ideal para quem não sabe dirigir (oi).
Tão logo eu cheguei, penduramos a placa na arvore da calçada. VENDE-SE. Tão logo penduramos a placa, vendemos. Como ainda não compramos nenhum outro, estamos oficialmente no olho da rua. Felizmente, tem um viaduto bastante acolhedor aqui pertinho de casa.
O sentimento de estar sem lar não vem do simples fato de ter vendido o apartamento onde moro desde quando ainda brincava de Barbie. Também. Mas nos ultimos anos fui, repleta de êxtase, construindo e amando novos lares e abandonando cada um deles com o passar do tempo. Este, que deveria ser o meu eterno lar, o apoio do meu coração, deixou de existir justo quando eu mais precisava.
"Ah, Jana, também chorava todos os dias", Gabi tentou me ajudar, mas tem vez que so da pra esperar mesmo. Esperar passar. Mantive o ritmo piscina-yoga-estudo-desenho-leitura e, entre braçadas, aquarelas, Isabel Allende e hidrelétricas, a tristeza escorreu de mim...

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

As desvantagens de ser invisível


Na festa também tinha outro garçom com whisky, mas esse passava tão longe da mesa que nem conseguiria ver meus acenos.
Tem uma tirinha da Malfada com um trocadilho interessante que eu tinha gostado muito quando li, mas que demorei para captar a verdadeira essência. A Mafalda (e o Quino) cometeram a mesma gafe que o meu garçom: na festa da vida, eles ignoraram as convidadas mulheres. Hoje eu não poderia ter mais aversão a essa tirinha, porque taí o elemento chave do sexismo: a cegueira.

domingo, 13 de outubro de 2013

Casamento e casca de ovo

Sábado mamãe tinha um casamento e fomos juntas. Gente simples: o casal trabalha num supermercado de um bairro da periferia, se conheceram lá, se apaixonaram, e estão oficialmente casados há um dia, aos 19 anos. O rapaz é oriundo de um assentamento rural onde mamãe realizou um estudo e fez grandes amizades. Quando mamãe ia passar fins de semana por lá, ela me levava e eu brincava de boneca com outras meninas.
Chegar lá foi uma aventura sem tamanho que durou uma hora de carro, com mais risadas cada vez que tínhamos novas indicações de como chegar lá. Demos carona a 4 pessoas, todas do sexo feminino, o que, sim, totaliza um total de 6 pessoas num carro de cinco, e Lourdes era a nossa GPS humana, responsável por repassar as informações que obtinha no celular. O convite de casamento não ajudava muito, porque só dizia:

Capela Santa Terezinha
Rua B, s/n

(Mesmo que nada.) O noivo tentou ser sucinto na primeira ligação: "Olha, vocês têm que dobrar à direita no posto Ale, aí à esquerda no sinal, vai direeeeeeto no rumo do nariz até o posto Bom Jesus, aí à esquerda, depois quando ver a farmácia pega à direita..." Na segunda, nós completamente perdidas, acabamos entrando num beco sem saída com uma imensa fogueira no final da rua. Ficamos apavoradíssimas e daí vocês imaginam que quando vimos um rapaz sozinho e esquisitíssimo logo ao lado do carro, faltamos dar um pulo de medo, éramos só mulheres no carro! Entre apocalipse e homem estranho, mamãe deu meia-volta, ficamos coladas no homem, não deu outra, Lourdes soltou:
- Gente, o homem tá aqui tirando uma arma!!!
Brincadeirinha essa que não, não teve graça! Quando chegou o posto que paramos e ligamos (mais uma vez) pra perguntar que direção seguir agora, o noivo falou: "Pronto. Cês tão em casa. Agora perguntem aí como faz pra chegar no mercadinho Deus Te Pague." E não era brincadeira. Que tipo de indicação é essa, e que diabos de nome é esse, mas perguntamos. Deixa que não era o posto certo, ainda dirigimos mais em frente, pegamos à esquerda e quando vimos uma farmácia, à direita. Paramos e perguntamos. Da moto, a moça nem desceu e respondeu de costas, virando só o rosto, que tinha que voltar e dobrar à direita na próóóxima farmácia. O homem, também em cima da moto e de costas, perguntou se a gente ia pro casamento. (Devia ser o evento do bairro!)
O noivo era um garoto sorridente e feliz, só um pouco nervoso porque afinal aquele dia tinha chegado e ele seria oficialmente o marido de alguém, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. A noiva era miudinha e séria, deu tão poucos sorrisos que quisemos averiguar se ela era banguela (não era), e que estava tão nervosa, mas tão nervosa, que aquele dia tinha chegado e ela seria oficialmente a esposa de alguém, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, que na hora que dos votos que o padre disse:
- Repita comigo, minha filha. Eu, Terezinha,
Ela disse:
- Eu, Terezinha,
E o padre:
- te recebo,
E ela:
- te recebo,
E o padre:
- Diga o nome dele.
Ela falou:
- Diga o nome dele.


E na hora que eles se beijaram ficaram radiantes, mas o então-noivo-agora-esposo ficou rindo e lambendo os beiços, e rindo, porque estava cheio de gloss nos lábios e não sabia lidar com aquilo. Nós rimos que rimos, e ficamos todas à procura do Momento Em Que A Moça Ia Sorrir, porque ela era tão séria que quando fomos tirar foto com o casal, mamãe falou e repetiu "Todo mundo sorrindooo!". Mas na hora em que estavam só os dois tirando foto, e que ela puxou a gravata dele e deu aquele beijo, e tiraram foto, ela riu e riu e riu, e tiraram ainda mais fotos que devem ter sido bem mais lindas do que as em que ela fazia pose (de séria).
Na hora das despedidas, a mãe do noivo, que adora mamãe, que já estava na sua segunda roupa da noite e que tinha costurado o vestido que usou na festa, fez mil elogios a mim. Porque ela estava tão feliz de eu ser tão simpática e bacana, que ela estava realmente super feliz, e deu mil parabéns, porque na época em que ela tinha me conhecido, geeeeente, eu era um pouco antipática, não falava muito, mas também não tinha muito o que se falar. Achei graça.
Numa semana em que eu estava até um pouco infeliz com um detalhe ou outro, ou sei lá, deprimida de um modo geral com minha vida, ser chamada de legal faz bem, e estar num ambiente onde a felicidade reina gratuitamente (ainda que alguns - alguma - não expressem isso de maneira adequada), te deixa num humor gratuitamente feliz. E sabe, aquele menino teve a sua cama de casal nova da casa nova roubada enquanto trabalhava, os ladrões vieram e desmontaram tudo e levaram cada uma das peças, mas tava lá sorrindo feliz porque estava casando com seu amor, e seus amigos fizeram uma vaquinha pra comprar uma cama nova, porque a vida é assim, se perde, se ganha, mas eles não iam passar a lua de mel no chão.
E quando voltamos pra casa eu estava morrendo de sono e até fiquei mal humorada com mamãe, mas eu não podia estar mais satisfeita de ter ido nesse casamento. Sair do mundo que eu criei na minha cabeça, expandi-lo um pouco mais e estar sinceramente feliz por algo tão distante e tão próximo. Cansa ser uma pessoa só, ver o mundo de um jeito só. Quando criança, eu era obcecada por entrar na mente dos outros. Nos meus dias mais solitários, eu só queria entrar de penetra no cérebro de alguém e viver a vida nos sentidos daquela pessoa, descobrir as aventuras de estar naquela pele, e desvendar tantos mistérios inacessíveis a mim. Quando, num raio de sabedoria científica, eu percebi que se entrasse no cérebro de outra pessoa eu automaticamente perderia o acesso à minha memória, e que, quando voltasse ao meu corpo, eu igualmente não conseguiria mais acessar as memórias que construí no outro cérebro, portanto seria incapaz de lembrar do passeio, fiquei muito decepcionada.
Estamos nesse relacionamento com nós mesmos até que a morte nos separe.