sábado, 28 de fevereiro de 2015

Yori yori

As falas da Chimamanda Adichie são fascinantes, e ainda lembro minha primeira reação a The Danger of the Only Story: ela colocava tantas coisas que eu já sentia em palavras, pontuava com experiências pessoais reais, contava piada e tudo isso sendo incrivelmente linda com uma pele divina e um lenço no cabelo do jeito que eu sempre quis usar. Ela é uma contadora de histórias, que é o que realmente me encanta: ela tem um ritmo gostoso de relatar acontecimentos e a partir deles enveredar por outros assuntos. Até pelo sotaque dela eu me apaixonei.
Procurei os livros que ela tinha escrito, separei o que mais me encantou e anotei na minha lista de livros para comprar um dia. Esse dia aconteceu quando comprei um biquíni de banana com uma calcinha que minha mãe exclamou ser imensa e rodei a cidade atrás de luvas pretas para me fantasiar de Holly Golitghtly (não achei, mas me fantasiei assim mesmo, mesmo não sendo branca), terminando o passeio na livraria, e saindo de lá com Americanah.


Ifemelu é uma nigeriana que morou 15 anos nos Estados Unidos, tem um blog famoso onde discute a questão racial no país e decidiu que quer voltar pra Lagos porque sente falta de se sentir em casa. Ela sente saudade do jeito nigeriano de ser, de não ter que se explicar, e de não se preocupar em ser negra, porque até sair da Nigéria ela nunca nem tinha se visto como negra. Ela era ela, Ifemelunamma, e nos Estados Unidos passou a ser negra.
No seu blog, ela escreve sobre o tratamento dado aos negros naquele país, e particularmente aos negros americanos, que são (em sua maioria) descendentes de africanos escravizados. É bastante óbvio, mas eu nunca tinha visto essa diferença colocada tão em cima da mesa, entre negros africanos e negros americanos, e todas as questões ali tratadas são muito reais e muito atuais. Numa boutique de roupas, a atendente quer perguntar à amiga de Ifemelu quais das moças a atendeu, a negra ou a branca, mas preferindo evitar a palavra, faz perguntas evasivas: "Foi a de cabelo comprido?" "Bom, as duas tinham cabelo comprido." "Foi a de cabelo preto?" As duas tinham cabelo preto. No Brasil, alguém poderia ter perguntado: "Foi a morena?", como se negra fosse palavrão.
Tenho descendência negra e branca por parte de pai (de quem herdei nariz, queixo e cachos) e somando com minha descendência branca e índia por parte de mãe, me considero parda (ou uma mistureba). Meu cabelo enrolado foi uma encomenda direta da Africa, e rende boas histórias e muito orgulho.
Uma vez, um garoto me perguntou como é que eu fazia com meu cabelo de manhã, se todo dia eu tinha que enrolar os cachinhos.
"Ele simplesmente é assim", foi o que eu respondi, mas aí não aguentei. "E você, todo dia tem que ficar esticando o cabelo, pra ele ficar tão espetado?"
Uma vez, numa apresentação de teatro da minha universidade francesa, o menino de trás perguntou se eu poderia amarrar o cabelo, porque estava atrapalhando a visão dele. Eu nem acreditei. Ele podia aproveitar e ter pedido pra eu cortar o pescoço também, pra minha cabeça não atrapalhar.
Ifemelu conta sua infância e juventude na Nigéria, seu primeiro amor, depois seu período no exterior, e por fim seu retorno ao país. Não passei tanto tempo quanto ela fora, mas entendi a saudade. Não ter que explicar coisas que pra você são óbvias, porque só é óbvio no seu país, e isso te reconforta. O jeito de falar, o jeito de se tratar uns aos outros, o acolhimento de estar em sua terra natal. Voltar e achar tanta coisa feia, ficar decepcionada com elementos que você nem notava antes, e se chatear consigo mesma por isso. Querer fazer parte da história da sua pátria, que você ama com todos os seus defeitos.
Os dramas de Ifemelu são muito maiores do que qualquer coisa que eu já vivi, mas palpáveis como se estivessem no mesmo cômodo. Ela trata bastante da questão racial (o tema do seu blog), de maneira que eu julguei acessível e leve, e se algumas pessoas acharam exagerado ou recorrente demais, eu só penso: imagina então quem vive isso no dia-a-dia. Não é maçante porque é real, recheado com os temperos da Nigéria, as comidas orgânicas do namorado Blaine e todos os julgamentos que Ifemelu faz das pessoas. Ela é franca e desbocada, e a narração apresenta honestamente seu hábito de julgar os outros. Eu adorei a sinceridade dela, e fiquei imaginando se ela gostaria de mim, quase chegando à conclusão de que não: porque tenho essa tendência a querer agradar as pessoas, mesmo que isso me custe omitir vontades. Mas fico torcendo que sim: porque Ifemelu enxerga defeitos em todo mundo, como elementos que tornam as pessoas humanas, e que podem contribuir ou não para ela gostar ou desgostar de alguém. Os personagens são inúmeros, desaparecendo e reaparecendo, como na vida real. Ifemelu às vezes parece distante das amigas, contando mentirinhas para omitir questões sérias, e fiquei me perguntando o quanto vem do fato de ela ser filha única e optar por se fechar em si ou então da própria cultura nigeriana. Quando um personagem entra em depressão, somos apresentados a ela como uma "doença de branco", um problema que inexiste na Nigéria, e Ifemelu se pergunta se algo só passa a existir quando damos um nome. A minha conclusão é que existe sim, claro, mas que colocar em palavras nos faz enxergar e entender melhor qualquer questão.
Agora uma música para entender melhor o amor verdadeiro, junto com Ifem e Teto, depois de almoçar arroz jollof com banana-da-terra frita, bebendo suco de laranja e manga.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Premiação da minha vida

Com tantas retrospectivas pipocando por aí, eu fiquei com vontade de fazer a minha. Juntei os livros que li lado a lado e consegui pensar em algumas categorias, mas fiquei sem graça sobre o que dizer (sou de exatas, gente, não sei organizar as ideias em frases coesas e bem estruturadas, isso se eu tiver a chance de ter ideias). No outro dia, estava contando um causo engraçado pra minha tia e percebi como aquele incidente merecia um troféu. Juntei dois mais dois, somei cinco e obtive nove categorias das melhores (ou maiores) coisas do ano.
Em um ano que não foi fácil e que terminou tão difícil, esse balanço deu pra ver que mesmo assim foi bom, que aproveitei como pude, e que sou uma eterna otimista.


Para um ano calmo e em casa, eu até que viajei bastante. Visitei cidades novas e descobri mais do mesmo. Munique foi um encanto (com o melhor museu que já visitei na minha vida), Buenos Aires uma revelação (alfajores e media lunas no café-da-manhã, e um diário de viagem ilustrado), São Paulo foi de saudade dos amigos, Maranguape reencontro com a família e a infância, Paulo Afonso foi a viagem acadêmica e maravilhosa (com hidrelétricas impressionantes e o querido Velho Chico). De todas, vou ficar com a Serra de Ubajara aqui pertinho. Ficamos numa pousada que na verdade era sitio, e possui sua propria trilha para uma belissima vista da região enquadrada pela Mata Atlântica, e deliciosas geleias caseiras no café-da-manhã (banana! cupuaçu!). As trilhas foram lindas, bebiamos agua potavel colhida da bica, passamos por detras da queda de uma cachoeira de setenta metros, e à noite... ah! Olhando o céu dava pra localizar mil constelações, e ver o esfumaçado da Via Láctea.


Era fim de outubro, fim de semana das fotos de formatura, no domingo fotos de branco na praia (com champanhe e letrinhas de EVA escrevendo ELÉTRICA UFC) e no sabado fotos no estudio (de manhã) e na frente da reitoria (à tarde). No sabado de manhãzinha, tomei um banho dos banhos, preparei o cabelo como nunca, mil cremes e massagens. Me maquiei com carinho e simplicidade, e coloquei argolinhas de ouro e brilhante. A camisa social branca tinha comprado na semana anterior, com uma textura delicada de tracinhos. Vesti meu terninho Zara e pra fechar coloquei um cinto preto que minha madrinha me deu, cujo fecho é uma pena dourada. Na hora do almoço, depois das fotos no estudio, decidimos ir almoçar juntos no shopping. Fomos todos vestidos chiques, e a opinião unânime era de que deviamos tomar muitissimo cuidado no almoço para não danificar o traje e as futuras fotos. Eu e meu amigo chegamos um pouco atrasados, deixamos os paletós no carro dele e encontramos um pessoal que ja comia na praça de alimentação. No caminho tinhamos decidido não pedir nenhuma comida com molho, para evitar qualquer tipo de acidente. Muito inteligentes, decidimos comer sushi, sem perceber que tem molho, sim, senhor, mesmo que acessoriamente. Quando expomos a decisão, uma amiga ja foi dizendo:
- Gente, cês sabem, né, molho shoyo ADORA camisa branca.
Ficamos igualmente brancos, mas na teimosa não vacilamos.
- Cuidado, porque o Abnadan aí, vejam só, já se melou.
A pessoa em questão estava comendo um hamburguer e tinha uma comprida gota de catchup na camisa.
- Caaaalma, gente! A gravata cobre! - ele pôs a gravata por cima, e cobria mesmo.
Pegamos nossos sushis e sentamos. Do meu lado, um menino que por segurança tinha vestido outra camisa social (azul) por cima da branca, de escudo.
Começamos a comer.
Bom.
No intercâmbio, uma amiga de descendência coreana me ensinou uma maneira otima de comer sushi valorizando o molho. Consiste em pegar o sushi com os hashis, mergulhar levemente no molho shoyo e em seguida virar o sushi de cabeça pra baixo para que o molho penetre bem no todo sem que ele fique ensopado. É uma técnica otima, que nunca tinha me causado problemas.
Até.
Ainda estava na metade do almoço, peguei um sushi, mergulhei levemente no shoyo e virei ele de cabeça pra baixo. Enquanto o molho penetrava, o sushi escorregou dos palitinhos. Mas ele não apenas caiu no molho. Eu consegui derrubar o sushi de tal maneira que ele caiu na borda do recipiente e catapultou todo o molho para cima de mim.
Pra cima da minha camisa social branca. Nova. Cara.
No busto, pela barriga, na manga toda, no punho.
No dia da sessão de fotos.
O menino do meu lado gritou e levantou rapidamente, mas escapou. Todos me olharam incrédulos. Eu, mais incrédula ainda. Ninguém tinha guardanapo. Não ia ajudar mesmo, então passei o resto do almoço no banheiro do shopping, onde tirei a camisa, lavei na pia com sabão e enxuguei na maquininha de ar quente pra secar as mãos, porque graças a deus não era papel. Salvei a camisa e as fotos sairam otimas, só não consegui terminar o almoço, e os rapazes devoraram os sushis restantes.


Comprei uma plantinha, mantive, e ela sobreviveu. Não foi facil, meu dedo não é verde, mas todo dia de manhã, junto com a agua das gatas, coloquei agua na minha roseira e agora ela dá flor toda semana e alegra minha janela. Com a vista pro Parque do Cocó, ela deve morrer de inveja da liberdade das árvores de lá, mas eu tento dar o meu máximo de amor e carinho pra satisfazer as suas necessidades.


Mais um ano se passou e não levei minhas gatas para se vacinar, não dei banho, não dei nenhum tipo de remédio. Tentando tomar alguma atitude, nesse finalzinho de dezembro, levei Nina no veterinário e ela fez até exame de sangue (um sofrimento!!! Sabe onde colocam a agulha em gatos? No pescoço!!! aiaiaiaiaiaiai), mas não voltamos para ver no que deu. Em minha defesa, elas estão muito saudaveis, com pelo macio que nem bumbum de neném, cheirosas como se tivessem acabado de sair de uma loja de perfume e nunca beberam tanta agua na vida, graças à...


Uma francesa que se hospedou aqui em casa nos deu a dica de colocar a vasilha d'agua das gatas em um aposento diferente da vasilha de comida, porque aparentemente os gatos não gostam de beber agua no mesmo cômodo em que comem. Durante esses 8 anos em que somos as solteironas dos gatos sempre surpreendemos as meninas bebendo agua em lugares inusitados como: a torneira do banheiro, o chão do box, a bandeja do filtro, o prato do vaso de planta, etc... então acreditei sem piscar e adotei a medida rapidamente. Agora todos os dias encontro a vasilha (que coloquei ao lado da minha cama) mais seca que o Cantareira e de vez em quando acordo no meio  da noite com os glub glub das meninas.


Nos mudamos e o apartamento novo não poderia ser mais delicioso, ventilado e ter vista mais linda (não é o mar, mas da pra ver uma pontinha dele). Infelizmente, trocamos o Bar do Railson por um buffet infantil. Poderia ser pior, mas não aguento mais ouvir a musica-tema da Hannah Boo Boo repetidamente a semana inteira. Felizmente, os aniversariante de dezembro estão em baixa, e estamos tendo um breve periodo de paz.


Essa foi uma linda surpresa! Passei boa parte dos jogos da copa na casa da minha tia, e se antes ficava irritada com a agonia e nervosismo da Safira, agora fico felicissima de pega-la no colo, fazer carinho e ver as patinhas dela tremelicando sem parar de alegria de ver gente! Quando assistimos TV ela vem e deita do meu lado, dorme quietinha e late de ciumes pra quem chega perto de mim. Miudissima pois é um pinscher tamanho zero, a Safi é pura fofura!


Reutilizei muitas receitas dos anos anteriores que permaneceram sucessos: o guacamole, a quiche de alho-poró, o melhor bolo de chocolate do mundo, os cupcakes de maçã. O sucesso em termos de prato salgado foi inegavelmente do yakissoba! Muito simples de fazer se você tiver os ingredientes em casa, que nem são dificeis: brocolis, pimentão, cebola, cenoura, camarão (ou frango ou carne), o macarrão japonês e gengibre, açucar, catchup, molho shoyo e molho inglês pro molho. Basta cozinhar o brocolis, fritar os legumes todos (inclusive o brocolis) e preparar o molho numa frigideira grande, cozinhar o macarrão e misturar tudo! (Existem versões mais elaboradas e verossimeis, mas a minha adaptação ja é bem gostosa.)
Como prato doce, ficam os maravilhosos cookies da Lucy, que são simplissimos de preparar também, o chato é so gerenciar as varias fornadas, porque a receita original dá bastante massa! Apesar da preguiça, eu nunca quis fazer uma fração da receita, porque isso significaria também menos biscoitos e menos delicias.


A minha vontade de aprender a surfar se mantém, mas a natação ainda precisa se consolidar. Enquanto isso, todo o meu amor fica para o pole dance! Tudo começou no final do ano passado com uma promoção no Barato Coletivo: 4 aulas durante 1 mês por apenas R$ 60. Eu e Carol fomos na graça, riso no canto da boca, curiosidade nos olhos. Terminou em paixão. É um esporte individual, então eu não me preocupo em estar atrapalhando ninguém com minha falta de jeito, tem aquele alongamento que me faz sentir bem e o grau certo de originalidade que eu gosto na vida. Cada aula e movimento novo que aprendemos vem acompanhado de fotos, roxos e orgulho. No studium, o clima é de leveza e companheirismo, todo mundo se ajuda, ri e brilha com a vitoria dos outros. Conto pra todo mundo, tem gente que me pergunta "Posso dizer que tu faz pole dance?", pode, pode sim!, não tenho vergonha porque não tem motivo pra ter. É maravilhoso e me faz um bem incrível, mental e corporalmente.
(A posição acima chama Yogini, e eu me seguro pelo braço e pela barriga!)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O fim de dois ciclos

Minha mãe adora falar em ciclos, e em fechar os ciclos, para poder iniciar novos ou simplesmente atingir um estado de harmonia. Nesse final de ano, estou fechando dois grandes ciclos,  cada qual longo do seu jeito e ambos imprescindiveis ao meu atual eu. O coração se divide em alegria, muitamuita alegria, e tristeza, daquelas que eu nunca pensei que fosse sentir, que perfura meu coração em lugares que eu desconhecia até então, e que permanece no plano de fundo diariamente, para me atingir quando eu baixo a guarda.
Eu digo pra todo mundo que nunca pensei que fosse ficar tão imensamente feliz de estar me formando. As pessoas respondem:
- Eu com certeza vou ficar muuuuito feliz quando me formar, eu sei!
Ou:
- Não é nenhuma surpresa, quem não ficaria feliz?
Ou:
- Mas é claro! Você merece!
Embora pareça tão obvio, eu falo sinceramente. Nunca pensei porque nunca pensei que esse dia fosse chegar. Entre fim de semestre impar e fim de semestre par, intercâmbio, bolsa e estagio, o trajeto parece imenso, e quando parece que a formatura ta chegando ainda tem tanta coisa pra resolver, coordenador pra driblar, rifa pra vender...
Então acabou. Estou naquela bifurcação da estrada em que não tem como saber como vai ser daqui pra frente, e, ao mesmo tempo que parece que tudo pode acontecer, essa miríade de opções dão uma vertigem que te deixam quase incapaz de tomar uma atitude.
Nessa história de decidir o que fazer da minha vida, fechei sem querer querendo um outro ciclo, que vinha se arrastando há um ano e meio entre saudade e solidão. Não imaginei que fosse doer como doeu, ao ponto de me arrepender e tentar voltar atrás e ficar revoltada que não tem ensaio nessa vida, porque se eu soubesse que ia ser assim tinha feito diferente. Dele, fica saudade e solidão, multiplicadas por cem. Não tem como o ano que vem ser uma maior incognita.