domingo, 14 de agosto de 2011

A furada em que estou me metendo

Minha câmera digital quebrou na viagem de carnaval, e esse borrão verde-oliva foi a primeira das últimas fotos que ela tirou: minha mãe e mãe de Rachel se despedindo malucas de nós duas. Comprei uma câmera descartável e me virei como pude nos últimos meses, sem muita questão de registro. Estou mais na vibe tem-que-viver-viver-valer e depois sorrir com o canto da boca e me preparar para mais.
As meninas da nossa viagem a Minas, por outro lado, não conseguiram passar sem 6000 fotos de todas as paisagens e todas as pessoas posando para todas as lentes. Ontem, uma noite para relembrar: uma seleção de 1400 fotos, uma garrafa de cachaça, queijos e pães e um caldinho de abóbora para acionar o inconsciente.
Em algum momento eu entreouvi mamãe dizendo que uma teoria da equipe médica da van sugeria que o mal que passei se devia ao emocional. Na hora eu soltei a melhor das minhas faltas de ar, mas como eu realmente adoro dar significados profundos a todo tipo de tema, matutei.
Faz todo o sentido.
Eu estou agonizando com essa viagem.
Se fico sozinha em casa, entro num estado vegetativo de depressão e solidão do qual mal consigo sair. A minha sorte é a programação diária intensa de curtição e despedida dos amigos e da cidade. Só tenho mais dez dias em Fortaleza, e quando vou fechar a porta da cozinha para aproveitar a vida além dessas paredes, olho para a iluminação fraca e amarelada que eu conheço tão bem desde meus dez anos e bate uma saudade. Nonó ainda está doente, recolocamos o cone e fica num chamego só, tristinha e desequilibrada. Tetê ficou balofa e maravilhosa, fica miando linda chamando para ficar vendo ela comer. Rosa fica dizendo que tem que me ensinar a fazer baião-de-dois, cuscuz e tapioca. Celina me perguntou se, depois que eu viajasse para a França, eu ia voltar nos fins de semana. Eu disse que não. Ela perguntou: "Ah, você vai voltar só aos sábados, né?" Eu disse que não. Ela perguntou se eu ia voltar nas férias. Eu disse que não sabia.
O que me aterroriza nas viagens de carro em que eu e mamãe ficamos em silêncio, ou nos momentos no sofá em que a TV não está ocupando meu pensamento satisfatoriamente é: eu tenho medo da solidão. Ficar sozinha em casa é ok, ficar sozinha no mundo é solidão. Quanto tempo vai demorar até eu transformar minha futura residência em um lar? Eu tenho medo dessas coisas.
Feri minha córnea e estou passando um antibiótico no olho há algum tempo, e, embora ele embote minha vista, não fico impedida de ver a vida maravilhosa e satisfatória que eu construí aqui em Fortaleza. Eu me pergunto: por que eu fui inventar isso? E eu me respondo: porque eu estou pronta, mas tenho direito a uma colher de nervosismo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Mamãe, Minas Gerais e meleca

Desde que eu nasci, temos sido eu e minha mãe, juntas na vida. Aconteça o que acontecer, no final do dia somos nós duas dando boa noite uma à outra. É no colo dela que eu choro. Sou eu quem a consola quando a caixa com o adesivo de FRÁGIL é aberta e o sonho aparece partido. Na noite em que minha mãe ficou sabendo do meu intercâmbio com duração de dois anos, ela não dormiu. Algum tempo depois, ela me perguntou se algum pai ia deixar o filho. (Na França.) Eu fiz um escândalo e depois ela repassou a história dizendo que eu achava um mico. Eu expliquei que usar a palavra mico já é vergonhoso.
Mesmo percebendo que ficaria impossível terminar a autoescola, mais impossível seria recusar o convite de mamãe de fazermos uma viagem de amor & despedida entre mãe e filha com duração de 10 dias pelo interior de Minas Gerais, um grupo de 12 pessoas e uma van fretada.
Chegamos de viagem há 10 dias, mas no aeroporto Celina correu para me abraçar e gritar e mostrar os três anéis que estava usando: um amarelo, um vermelho e um lilás. Ela disse que sentiu saudades e confessou que tio João queria brincar mentindo que Nina tinha morrido. Se Celina não tivesse se adiantado estragando a brincadeira (DE MUITO MAL GOSTO), minha alma teria saído pela boca e o sangue pelos olhos, eu desmaiaria em cima das malas e morreria de desgosto antes que me explicassem a piada (PIADA?). Acontece que pouco antes de eu viajar, Nina e Artemis se meteram em briga (normal), Nina saiu ferida (incomum) e coçou tanto a testinha (linda) que ficou com uma ferida que infeccionou e acabei gastando 140 reais no veterinário. Só pude fazer 5 dias de tratamento por causa do intervalo curto entre Goiânia e Minas, mas foi comprimido, pomada, colar elizabetano e comida na boca. Quando eu tirei o colar na véspera da viagem, Nina coçou a testa, tirou todas as casquinhas, apareceu com a pata vermelha de sangue e a testa em carne viva de tanto coçar. Quando eu estava voltando de uma festa em Belo Horizonte três horas depois do combinado, piradíssima, sem um pingo de culpa, precisei pensar na morte de Nina para ficar séria perante mamãe, e funcionou.
Não tivemos nossa viagem de amor & despedida, porque mesmo eu, moça lida e educada, estou na fase de irritação adolescente com mamãe. Meus argumentos são sólidos, mas não consigo dialogar carinhosamente por impaciência com o eterno conjunto de desfavores que observo minha mãe fazer consigo mesma. Consigo falar do meu cotidiano (um sanduíche delicioso, um cinema prazeroso, o trocador engraçado), mas ouvir sobre o cotidiano dela me aborrece, por causa do desfavor mais imenso de todos, que ela conhece e do qual não consegue desviar. Taí outro desfavor. Não consigo falar de todas as novas coisas que têm me empolgado e soprado mais ar no meu pulmão, porque ela está melhor sem saber. Se eu fosse contar o que fizemos nas três horas adicionais, ela... desmaiaria? morreria de desgosto? alma saindo pela boca, sangue pelos olhos? Como contar que eu quero dormir no deserto na viagem que eu quero fazer para o Marrocos no meu aniversário?
O que mais me empolgou no intercâmbio foi: viagensssssssss, Françaaaaaaaaaa, friiiiiiiiiio e férias de mamãe. Porque eu sei que vou sentir saudades e que pelo menos isso vai camuflar meus incômodos que ficam tão evidentes quando você mora na mesma casa, e são potencializadas quando você viaja junto durante dez dias, dia e noite, noite e dia, na praça ou no quarto, na rua ou no carro. Não quero listar os defeitos que eu vejo na minha mãe, quero citar esse defeito que vejo em mim, e que é dos maiores: a minha incapacidade de ter com minha mãe uma relação verdadeira. Se eu já me sinto sem pai e os jantares na casa de vovó acabaram, quem vai ser minha família?
Eu, tal como fiz no vestibular, estou escolhendo o banho de água gelada, esse enorme corte do cordão umbilical, com uma tesoura do tamanho do oceano Atlântico. Fico esperando que novamente o banho se mostre uma maravilha no calor tropical da minha vida.
Minas Gerais é um estado maravilhoso, lindo de acalmar a vista e parar o coração. Fizemos parte do percurso da Estrada Real, tomamos caldinho e comemos pão com queijo minas e várias geleias. Todas as passageiras da van acharam que cachaça era água. Passei um friozinho delícia que transformou a noite embaixo do cobertor de pena de ganso em divina. As estrelas em Lavras Novas eram diamantes polvilhados em tutu de feijão. Fica um grande gritinho para todas as meninas, para Fernandinho, para a nossa companheira inseparável HEL-0800 e para Gab, com quem vivo tudo aquilo que sonhávamos nas nossas cartas de 2004.
Já não fazia quadrinhos há algum tempo, mas tenho uma história horrível demais para ficar só comigo (e as meninas da van). Só leia se tiver estômago.