
Algo que, a cada ano que passa, me impressiona mais e mais e mais é como eu consegui escolher a faculdade certa pra mim. São tantos argumentos contra a minha escolha que eu não consigo nem crer que eu esteja vivendo essa realidade.
Quando eu era criança, eu queria ser caixa de supermercado. Ou escritora de livros. Ou taxista. Durante muitos anos, eu me decidi por jornalismo. Hoje eu estou estudando pra virar engenheira. Não tem ninguém na minha turma com quem eu divida o meu gosto musical, ou com quem eu converse sobre quadrinhos, e no entanto no Ensino Médio todas as minhas amizades verdadeiras foram aquelas com quem eu compartilhava o mp3 na hora do recreio. Eu nunca morei com o meu pai, ou com qualquer animal do sexo masculino (todos os meus bichinhos, eliminando um único jabuti, todas fêmeas), e fiz vestibular para um curso com menos de 10% de meninas. Eu nem gostava de física elétrica!
O que eu gosto de pensar é que eu fui muito extremamente maluca saindo da minha zona de conforto conscientemente justamente para... sair da zona de conforto. Simples.
Com meu pai não consigo deixar nada muito simples. A cada sessão de terapia paterna sinto apenas que todo o esforço em criar amor só trouxe desgaste e nenhuma gota de felicidade. Já vão anos desde o início da reconstrução da relação. E necas. Depois de tanto tempo me achando tão cheia de problemas de relacionamento, parece que eu enfim consigo gostar das pessoas pelo que elas são (e não pelo que elas gostam), mas nem isso é suficiente, nããão. Eu tenho que aprender a amar o meu pai. De graça. Tirar o amor do bolso. Como criar um amor por uma figura que não existe realmente para você? Por uma figura que você sequer consegue fazer existir? Eu não consigo amar meu pai porque eu não entendo direito o que um pai faz. Na minha cabeça, os pais são secundários, apêndices da mãe. Por que minha vida toda, esse meu pai foi menos do que um sombra. O que um pai faz? Ano passado, no dia das mães, pedi que mami me contasse a minha história de antes de eu nascer. Eu nunca tinha perguntado nada. Mamãe contou. É curioso como alguns acontecimentos da sua vida podem te completar tanto e trazer tanta serenidade e solidão, simultaneamente. Quando baixou toda a história na minha cabeça, me senti... tantas coisas. Tantas coisas que eu não disse pra ninguém e não tenho intenção de dizer em nenhum futuro próximo, porque são tão íntimas. Basicamente, fico me sentindo só, e me sentindo eu.

Estava cobrindo a segunda página do quadrinho quando mamãe chegou em casa. Comentou da minha mecha retocada com papel crepom e pegou a folha A4 pra ler. Eu disse que ela não podia ler, porque, apesar de nossa relação ser ótima, não tem muito diálogo de intimidades. Ela ficou manhosa e leu mesmo sem eu ter deixado, mesmo estando ao meu lado. Ela achou super engraçado. Eu disse "Mãe, é uma história triste e não era pra tu estar rindo." "É que eu não consigo acreditar que uma criança que é a Celina tenha tido a engenhosidade de chamar teu pai de babau!!!" E eu fiquei sem entender o que há de tão difícil em associar as duas figuras, porque para mim é praticamente uma metonímia.